Por Eli Magalhães
Ato Fora Obama |
Na última sexta-feira (18/03), 13 militantes, dos quais alguns ligados ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, foram presos por exercerem algumas dessas liberdades. Um ato público realizava-se no Rio de Janeiro em protesto contra a vinda de Barack Obama ao Brasil e todas as políticas que isso representa: privatização do petróleo brasileiro, sob controle do imperialismo; intervenção político-militar na América Latina (aos que duvidam, uma visita às bases estadunidenses na Colômbia e às tropas brasileiras no Haiti, faria um bom favor à oxigenação de suas opiniões); conquista de apoio mundial para mais uma intervenção no mundo árabe, desta vez na Líbia, além das concertações “diplomáticas” sob as armas do exército no Egito. E a lista poderia ser prolongada de forma assustadora e com casos cada vez mais bizarros (o digam os prisioneiros de Guantanamo).
Durante a manifestação pacífica, a polícia militar interviu de maneira violenta, com disparos, dispersão da manifestação e prisões. Além de impedirem acesso a diversas ruas da cidade e, em especial, à Cinelândia. Os policiais alegam que a intervenção se deu por um suposto coquetel molotov lançado contra o prédio do consulado dos Estados Unidos. Portais de notícias apresentaram fotos do objeto que fora encontrado depois pelos militares.
A polícia só esqueceu de explicar uma coisa. É princípio do direito penal burguês, baseado em critérios utilitaristas por um lado, e mesmo humanistas por outro, que apenas o criminoso seja punido por sua conduta. Parece algo simples de ser dito. Acontece, porém, que a forma de punição da Idade Média afetava, além do suposto criminoso, também parentes, amigos etc. Essa é a razão para que a preocupação esteja presente nas constituições e códigos penais modernos. Além disso, por mais que isso revolte as tropas de elite de plantão no Rio, todos devem ser considerados inocentes até que se prove o contrário. Em suma: falta a polícia nos explicar como 13 pessoas podem ser presas em flagrante por lançarem um único coquetel molotov. Parece, no mínimo, um ato fisicamente impossível. Se é que qualquer coquetel foi realmente lançado.
Ainda que seja real que qualquer atentado tenha sido feito contra o consulado, trata-se claramente de uma atitude de agentes provocadores dentro do próprio movimento. As chances de terem sido infiltrados pela própria polícia também é bastante grande. Em recente nota, o blogue do ex-prefeito do Rio de Janeiro, César Maia (DEM), demonstrou como as forças policiais estavam desde o início monitorando quaisquer possibilidades de manifestações políticas anti Obama, através de agentes infiltrados. Em mensagem eletrônica, um delegado da área de inteligência explica a mudança de local do discurso de Obama:
“A decisão da equipe precursora do presidente Obama, reunida com a equipe brasileira, de transferir o seu discurso da Cinelândia para o Theatro Municipal, tem toda razão de ser. Um grupo significativo de militantes foi sendo identificado por infiltração de quatro agentes”. Fonte:http://colunistas.ig.com.br/poderonline/2011/03/18/cesar-maia-eua-identificaram-infiltracao-de-militantes-contra-obama-na-cinelandia/
Prisões arbitrárias, infiltração em movimentos políticos, repressão à liberdade de expressão e ao direito à livre reunião etc. O rol de atividades nitidamente antidemocráticas por parte dos governos é sombrio. No Brasil, mesmo depois da Constituição de 1988 e da declaração formal de que se vive um regime democrático, os partidos de esquerda e movimento sociais populares vêm sendo criteriosa e inescrupulosamente espionados por agentes da inteligência. Desde documentos em forma de relatórios sobre atividades de partidos e movimentos sociais durante toda a década de 1990, até recente entrevista de presidente da Associação dos Servidores da Agência Brasileira de Inteligência, que confessa, incomodado por achar que está sendo “mal utilizado” que
“o pessoal do SNI ainda está na direção. Por isso 70% de nossas atividades são internas. Somos obrigados até a procurar boi no pasto e vigiar invasão [sic!] de estudante em reitoria”. Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u442077.shtml
A criminalização dos movimentos de protesto costuma ser a principal arma de repressão direta contra os mesmos. Tenta-se, a todo custo, adequar as condutas destes movimentos à crimes previstos nas leis penais. Quando isto não é possível, simplesmente implanta-se provas de que algum determinado crime aconteceu.
O que é alarmante na situação é que se trata de uma forma de fortalecer o Estado penal, constituindo um inimigo público que justificaria uma postura cada vez mais repressora e desrespeitadora de direitos por parte dos agentes repressivos. Enquanto os trabalhadores e suas famílias ficam sem saúde, educação, habitação etc., são constantemente vigiados para impedir qualquer possibilidade de que se manifestem contra tal situação. Uma típica tendência fascistizante do Estado neoliberal, que se preocupa quase que majoritariamente em atender os interesses do capital monopolista. Para os bancos, trilhões de dólares em lucros. Para os trabalhadores, celas apertadas, maus tratos e violência policial.
Seria a primeira vez que tal tática reacionária apareceria na história brasileira? Getúlio Vargas implantou a ditadura do Estado Novo em 1937 a partir de um suposto plano comunista para a tomada do poder. O famoso Plano Cohen, foi o pretexto para o fechamento de liberdades e manutenção no poder do presidente, então simpatizante do movimento fascista italiano. No caso do próprio AI-5, já mencionado anteriormente, o fechamento das liberdades adveio, dentre outras, de alegações de que as diversas manifestações das quais o movimento estudantil brasileiro foi vanguarda em 1968, eram impulsionadas por elementos estrangeiros ligados a Cuba e à União Soviética.
Estes são apenas casos maiores e mais famosos. Cotidianamente os ativistas políticos são defrontados com as mesmas situações em escala menor. Desde sindicâncias em universidades, escolas e locais de trabalho, à prisões como o caso testemunhado na última sexta-feira. O Estado vive uma atual fase de escalada reacionária e autoritária, atendendo às atuais necessidades de controle político por parte do capital.
No primeiro ano de mandato de uma mulher, ex-guerrilheira e ex-torturada, o Brasil toma a decisão de manter presos políticos em seus presídios. Fato que acontece quase um ano depois de o Supremo Tribunal Federal ter decidido, por 7 votos a 2, a não punição dos militares torturadores da ditadura brasileira. Em seu discurso, Obama saudou a democracia e o livre mercado brasileiros. Em uma fala recheada de louros aos direitos humanos (os mesmo esquecidos em Guantanamo, Afeganistão, Iraque, nos próprios EUA para com seus imigrantes e negros, na recusa à participação na conferência climática de Kopenhagen etc.), parabenizou Dilma por seu passado de luta política e disse que o “Brasil é o exemplo de que uma ditadura pode se tornar uma democracia”. Acrescentar um “e vice-versa” no final completaria o discurso e o tornaria menos hipócrita.
Texto disponível em: www.antesquixote.blogspot.com
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